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Quatro boas razões para pregar e ensinar Rute em nossas igrejas!


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Por André Oliveira |


Pregar é um desafio imenso. Exige diligência na observação do texto e na instrumentalização de uma série de princípios hermenêuticos necessários para vencer os diversos desafios impostos pela língua, costumes, leis e cultura dos povos registrados na Bíblia. Essas pessoas não existem mais, porém geraram as histórias, dramas, conflitos e resoluções que nos ensinam como Deus agiu no passado e o que podemos esperar Dele no presente e futuro.


Sem contar que essa tarefa exige cuidado redobrado em alguns livros ou passagens que facilmente são interpretadas erroneamente, por decorrência do tom que o livro carrega. Rute é um exemplo clássico, parecendo mais uma peça de romance do que necessariamente um drama de redenção. De fato, poucos livros da Escritura possuem o poder de cativar imediatamente o ouvinte como ele.


O perigo é que, ao nos apegarmos a esse sentimento, percamos a mensagem central. O livro de Rute é mais do que uma narrativa romântica de lealdade e redenção pessoal é uma janela teológica para o modo como Deus atua silenciosamente nas margens da história.


Em meio à fome, à perda e à baixa expectativa quanto ao futuro, o texto revela uma providência divina que transforma tragédias comuns em parte de um enredo maior: o plano redentor que culmina em Cristo. A força do livro não está no sentimentalismo do amor humano, mas na sutileza com que a graça divina costura a sobrevivência e a fé em meio ao ordinário.


Em um mundo saturado por narrativas de amor idealizado e autossuficiente, Rute oferece um contraponto radical: o amor como expressão da fé e da aliança. A cultura contemporânea lê a história de Rute e Boaz como romance, mas o texto bíblico revela uma ética do cuidado do amor pactual que atravessa gerações. A fidelidade de Rute à sogra Noemi e a generosidade de Boaz como redentor são atos que subvertem a lógica da autopreservação.


É por isso que Rute ressurge com tanta força hoje, num tempo em que o sofrimento e a perda voltaram ao centro da experiência humana marcada por crises, solidão e esgotamento emocional. O leitor moderno se reconhece em Noemi, exausta e ressentida; em Rute, persistente e leal; em Boaz, alguém chamado a agir com compaixão num sistema desigual. A história nos atrai porque devolve uma esperança realista, não idealizada.


Pregar e ensinar Rute, portanto, é vital para a saúde da Igreja por razões que transcendem o mero interesse humano, ancorando-se no próprio coração do plano redentivo de Deus. A história é, de fato, o Evangelho em miniatura, movendo-se da fome para a fartura, do vazio para a plenitude, da esterilidade para a semente.


Quatro razões principais tornam a pregação de Rute essencial:


1. O Ponto de Contato: A Dor Humana


Antes de podermos falar de redenção, devemos diagnosticar honestamente a queda. Rute nos atrai porque é a "história de todos".


  • Rute Confronta o Vazio: A narrativa começa com fome, exílio e morte. Ela nos apresenta Noemi, uma mulher fustigada pela vida, que muda seu nome para "Mara" (Amarga), declarando que "o Todo-Poderoso me tem afligido" (Rt 1.21). Quem de nós, em algum nível, não ponderou onde Deus está em meio à nossa perda? Pregar Rute nos dá permissão para sentar com o povo no vale da amargura, validando sua dor antes de apontar para a solução.


  • Rute Oferece Esperança Real: O mundo está saturado de cinismo. Precisamos de histórias que "terminam bem", não como um escapismo barato, mas como um testemunho da fidelidade de Deus. O final feliz de Noemi não é sorte; é providência. Ele nos ajuda a ter esperança de que, muito além das nossas dificuldades atuais, há um futuro orquestrado por Deus.


2. O Exemplo Visível: A Beleza da Virtude Pactual


Em uma era de relativismo moral, semelhante à dos Juízes, as pessoas anseiam por exemplos de bom caráter. O livro de Rute oferece isso em abundância.


  • A Lealdade de Rute: As palavras de Rute a Noemi (1.16-17) são uma das maiores demonstrações de amor pactual (em hebraico, hesed) e lealdade de toda a literatura. É um vislumbre da própria amor de Deus por nós.


  • A Compaixão de Boaz: Da mesma forma, Boaz não é um "príncipe encantado". Ele é um homem de integridade, um Go'el (parente-resgatador) que demonstra compaixão extraordinária, protegendo a estrangeira e agindo com justiça na porta da cidade.


É compreensível que os leitores se apaixonem por essas virtudes. Elas aquecem o coração. Mas aqui reside a armadilha.


3. A Virada Decisiva: Por Que a Moralidade Não Basta


É exatamente aqui que o pregador expositivo se diferencia do contador de histórias morais. Se pararmos na virtude, pregamos apenas "Seja como Rute" ou "Seja como Boaz". E essa mensagem é insuficiente.


Por quê? Porque, como nos lembra o Breve Catecismo de Westminster, somos caídos. Seres humanos caídos não podem ser como Rute e Boaz, a menos que tenham um relacionamento com o Deus de Rute e Boaz. Toda a beleza do livro está em mostrar que a moral do texto não é “seja como Rute e Boaz”, mas “confie no Deus de Rute e Boaz” o único capaz de transformar vidas quebradas em instrumentos do seu propósito. A mensagem não é primariamente sobre o que nós devemos fazer para Deus, mas sobre o que Deus fez por Seu povo.


4. A Razão Suprema: Rute é Sobre Jesus (Lucas 24)


Esta é a nossa chave hermenêutica inegociável, o ponto que conecta o sentido do texto "lá e então" ao enredo redentivo. O próprio Jesus, após sua ressurreição, nos deu o método: "E, começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras" (Lc 24.27).


Pregar Rute é essencial porque o livro testifica de Cristo:


  • Deus é o Protagonista: O livro de Rute não é uma biografia. É um relato da obra de Deus. Ele é a personagem principal que, soberanamente, guia "passos silenciosos no campo" para fazer avançar Seu propósito redentor.


  • A Virtude é Fruto da Graça: A conduta moral de Rute e Boaz não é a causa de sua bênção; é o resultado de seu relacionamento pactual com Yahweh. Pregar Rute é pregar que a graça precede a obra.


  • É Parte da História da Redenção: O livro de Rute é a ponte vital que nos leva do caos dos Juízes para a estabilidade da monarquia davídica. A genealogia final (Rt 4.18-22) não é um apêndice chato; é o ponto culminante! Ela conecta o nascimento de Obede, o filho da estrangeira redimida, diretamente a Davi e, portanto, ao Messias, Jesus Cristo.


Conclusão: O Evangelho Eficaz em Campos Comuns


Então, por que devemos pregar e ensinar Rute com paixão e profundidade?


Nós o pregamos porque ele é a prova de que Deus preserva a semente messiânica mesmo quando o enredo parece ruir. Pregar Rute é proclamar o Evangelho da providência silenciosa, onde o ordinário faz parte do plano eterno de Deus. É mostrar que Ele ainda transforma a amargura de "Maras" em alegria, inclui gentios na linhagem da salvação e usa a fidelidade comum para cumprir Seu plano glorioso.


Pregar Rute é, em suma, proclamar o Evangelho: o Redentor que vem (Go'el), a estrangeira que é incluída pela graça, e o futuro que floresce... não do nosso esforço, mas da fidelidade de Deus em Cristo Jesus.


Contudo, todo esse esforço hermenêutico e teológico depende de uma verdade final. A diligência, de fato, diferencia o bom sermão de um sermão ruim. Mas é a atuação do Espírito Santo que diferencia um bom sermão de um sermão eficaz.


Podemos expor o texto com perfeição, mas um sermão eficaz necessita da obra do Espírito de Deus, que abre os corações dos ouvintes, assim como fez com Lídia (At 16:14). Em última análise, pregamos Rute não confiando em nossa exegese, mas suplicando que o mesmo Deus de Rute e Boaz opere hoje, pelo Seu Espírito, para dar vida aos que ouvem.



André Carvalho de Oliveira é pastor batista e membro da Primeira Igreja Batista em Atibaia. Por mais de uma década, serviu a pastores e líderes em diversos contextos no Brasil e internacionalmente por meio da Missão Pregue a Palavra. Ele é mestre (M.Div.) pela EPPIBA e doutorando (D.Min.) no CPAJ. É casado com Simone e pai da Isabela e da Helena.

 
 
 

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