Série em Efésios: “Um manifesto de Esperança para o mundo contemporâneo.”
- André Carvalho de Oliveira
- 27 de set.
- 7 min de leitura
Atualizado: 3 de out.

por André Oliveira |
Introdução: Apresentação da Série
Neste mês de setembro, tenho me debruçado na carta aos Efésios em preparação para uma nova série de estudos para o lançamento do canal “Aliança da Palavra”. Esses estudos, serão um ensaio da comemoração dos 508 anos da Reforma Protestante sobre os “CINCO SOLAS”. A carta aos Efésios é uma das joias da coroa da revelação bíblica e um pilar para sustentar a cosmovisão reformada, da qual os "Solas" são a base.
A seguir, abordarei os pilares teológicos da carta que a fazem tão fundamental para nossa fé, cultura e visão de mundo. Além disso, demonstrarei por que é fundamento para os "Cinco Solas".
1. A Carta é um Tratado Minucioso da Soberania de Deus e da Centralidade da Graça.
A ênfase na soberania de Deus e na centralidade de Sua graça em Cristo, que encontramos em Efésios, não é apenas um conjunto de doutrinas; é a arquitetura da fé. Ela estabelece uma visão de mundo completa que se contrapõe diretamente ao humanismo secular e à meritocracia espiritual que sussurra: Eu posso!
A soberania de Deus na salvação permeia cada capítulo demonstrando o que Deus está fazendo na história da redenção. Caso queira apenas refletir no capítulo um da carta, perceberá que Paulo estabelece o palco de forma magistral da soberania de Deus e da centralidade da graça ao demonstrar que a história da redenção não começa com o homem e sua necessidade, mas com Deus e Seu plano eterno. e isso é visto de forma clara no argumento do apóstolo que demonstra:
A Eleição é Incondicional: “nos elegeu nele antes da fundação do mundo” (Efésios 1:4).
A Predestinação é para a Filiação: “em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos” (Efésios 1:5).
A Redenção é pela Graça: “temos a redenção pelo seu sangue, o perdão dos pecados, segundo as riquezas da sua graça” (Efésios 1:7).
Esses conceitos formam a espinha dorsal do pensamento bíblico, que nos leva a prostrar-nos diante de um Deus que garante tudo sozinho por meio de Cristo (Efésios 1:14), não deixando espaço para nos gloriarmos em nossas obras (Efésios 2:8-9). Tudo emana da vontade e do beneplácito de Deus, para o louvor da Sua glória.
2. A Carta Fundamenta o Senhorio Cósmico de Cristo
Efésios nos concede uma das declarações mais abrangentes sobre o propósito final de Deus na história: fazer convergir em Cristo todas as coisas, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra (Efésios 1:10). Este é um retrato do senhorio cósmico de Cristo.
Presumo que era com Efésios no coração que Abraham Kuyper afirmou seu célebre argumento: “Não há uma única polegada quadrada em todo o domínio de nossa existência sobre a qual Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: ‘É meu!’”. Este é um tema crucial na carta: tudo o que existe deve ser redimido e direcionado para a glória de Cristo.
3. A Carta Estabelece uma Visão Elevada da Igreja: O Corpo de Cristo
A doutrina da Igreja (Eclesiologia) percorre toda a carta. Paulo não apresenta o povo de Deus como um construto social, um clube religioso ou uma instituição meramente humana, mas como:
O corpo de Cristo (Efésios 1:22-23), do qual Ele é a cabeça.
A habitação de Deus no Espírito (Efésios 2:22).
A manifestação da multiforme sabedoria de Deus aos principados e potestades nos lugares celestiais (Efésios 3:10).
Essa visão elevada da Igreja é um poderoso antídoto tanto contra o individualismo evangélico quanto contra o clericalismo institucional.
4. A Carta Apresenta a Ética da Graça: Indicativo Antes do Imperativo
A carta aos Efésios apresenta um modelo de estrutura teológica fundamental para a vida cristã: o indicativo precede o imperativo.
Capítulos 1 a 3 (O Indicativo): Paulo detalha quem você é em Cristo por causa da obra soberana de Deus.
Capítulos 4 a 6 (O Imperativo): Com base nessa nova identidade, Paulo explica como você deve viver.
Nossa ética não é um esforço para alcançar a salvação, mas a resposta grata e lógica dos salvos pela graça.
5. A Relevância de Efésios para o mundo contemporâeno
O capítulo 2 de Efésios é o coração do Evangelho e serve como um farol em nosso mundo turbulento, pois contém a mais clara e sucinta exposição do Evangelho em toda a Bíblia.
a) Ele faz um Diagnóstico Radical da Humanidade (Efésios 2:1-3)
“Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados…” (v. 1)
Aqui, vemos o ato gracioso de Deus diante da Depravação Total, descrita com uma linguagem que até uma criança compreende:
Morte: A humanidade sem Cristo não está apenas “doente” ou “precisando de ajuda”; ela está espiritualmente morta (em grego, nekrous), incapaz de reagir a Deus ou buscar a própria salvação.
Escravidão: A vida pré-cristã é caracterizada por uma tripla escravidão: ao “curso deste mundo”, ao “príncipe da potestade do ar” e às “inclinações da nossa carne”. Não há autonomia para fazer o bem (Romanos 3:10-12).
Ira: A condição natural de toda a humanidade é ser “por natureza filhos da ira” (v. 3), uma profunda afirmação sobre nossa posição legal diante de um Deus santo.
Essa linguagem é um antídoto direto ao humanismo secular e ao otimismo pelagiano que infectam tanto o mundo quanto, por vezes, a própria igreja.
b) Ele Demonstra a Intervenção Soberana de Deus (Efésios 2:4-9)
“Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia…” (v. 4)
Estas duas palavras, “Mas Deus” (em grego, ho de theos), são talvez as mais belas de toda a Escritura. Elas marcam a virada do desespero para a esperança. A salvação não se origina em nós, mas unicamente em Deus, que nos amou enquanto ainda estávamos mortos em nossos pecados.
A Fonte é a Graça (Sola Gratia): A causa da nossa salvação é o “seu muito amor com que nos amou”. Sua graça age não por causa de algum mérito em nós, mas apesar de nossa condição.
O Meio é a Fé (Sola Fide): A fé (v. 8) não é a causa da salvação, mas o instrumento pelo qual a recebemos. É a mão vazia do mendigo que se estende para receber o dom gratuito do Rei.
Paulo é enfático: “E isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie” (vv. 8-9). Esta afirmação destrói qualquer possibilidade de orgulho humano. A própria fé pela qual cremos é, em última análise, um dom que acompanha a regeneração operada por Deus.
c) Ele Estabelece o Propósito da Nova Criação (Efésios 2:10-22)
“Porque somos feitura [ποίημα – poiēma] dele, criados em Cristo Jesus para boas obras…” (v. 10)
Esta seção responde à clássica objeção: “Se a salvação é pela graça, qual o lugar das obras?”. As obras não são a raiz da salvação, mas o seu fruto. Somos a obra-prima de Deus, recriados com um propósito: viver uma vida de boas obras que Ele de antemão preparou para nós.
Este propósito se manifesta de forma gloriosa:
Reconciliação Vertical e Horizontal: Cristo, em Sua cruz, não apenas nos reconciliou com Deus (vertical), mas também derrubou o “muro da inimizade” entre judeus e gentios (horizontal).
A Igreja como um Novo Homem: De dois povos antagônicos, Cristo criou uma nova humanidade (v. 15). A Igreja não é uma versão judaica para gentios; é uma nova criação onde divisões de raça e cultura são abolidas em Cristo.
A Morada de Deus no Espírito: O lugar onde a presença de Deus habita não é mais um edifício de pedras, mas o povo redimido, a “morada de Deus no Espírito” (v. 22).
6. A Carta é um Tratado Apologético contra a Crise do Mundo Contemporâneo
Os elementos de Efésios se levantam como uma poderosa resposta aos maiores desafios culturais de nossos dias.
Contra a Crise de Identidade Pós-Moderna: Nossa cultura define a identidade com base em sentimentos, sexualidade, carreira ou ideologias. Efésios oferece uma identidade infinitamente mais segura e profunda: nossa identidade está “em Cristo”. Não somos o que fazemos ou sentimos; somos o que Deus nos fez: de mortos a vivos, de filhos da ira a filhos amados, de estranhos a membros da família de Deus. Esta é uma âncora em meio à tempestade cultural da autodefinição.
Contra a Fragmentação e a Polarização: Vivemos em uma era de muros de inimizade raciais, políticos e sociais, amplificados pela hostilidade das redes sociais. Efésios apresenta a Igreja como a resposta de Deus a essa fragmentação. A Igreja é chamada a ser uma contracultura de reconciliação, um lugar onde pessoas radicalmente diferentes se tornam “um” em Cristo. A unidade visível da Igreja é uma de nossas mais poderosas ferramentas apologéticas. Como disse Francis Schaeffer, o amor e a unidade entre os cristãos são o “argumento final” para um mundo que observa.
Contra o Legalismo e o Humanismo Secular: A carta ataca simultaneamente dois erros opostos. Ao legalista religioso, que tenta alcançar Deus por suas obras, Paulo diz: “Não vem das obras, para que ninguém se glorie”. Ao humanista secular, que nega o pecado e crê na bondade inerente do homem, ele oferece o diagnóstico devastador: “estando vós mortos em delitos e pecados”.
O Evangelho da graça demonstrado em Efésios é, para o mundo contemporâneo, um manifesto de esperança. Ele oferece um diagnóstico preciso de nossa condição, uma cura miraculosa que vem inteiramente de fora de nós, e um propósito glorioso: fazer parte de uma nova humanidade reconciliada que serve como sinal do Reino vindouro de Deus. O Evangelho é o único caminho que humilha o orgulhoso e exalta o humilde.
André Carvalho de Oliveira é pastor batista e membro da Primeira Igreja Batista em Atibaia. Por mais de uma década, serviu a pastores e líderes em diversos contextos no Brasil e internacionalmente por meio da Missão Pregue a Palavra. Ele é mestre (M.Div.) pela EPPIBA e doutorando (D.Min.) no CPAJ. É casado com Simone e pai da Isabela e da Helena.




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